O Arteiro II

O Arteiro II

O canolingue

(conto urbano)

Mário de Méroe

ago/2016

Miguelzinho, o herói do conto urbano denominado O Arteiro (confira-se a história de Miguelzinho em https://www.msmeroe.org/o-arteiro/), após o susto com sua última ação de guerra, resolveu deliciar-se tomando água de coco gelada em companhia da amiga Cacildinha. Por algum tempo, sentia-se maravilhado com as atenções da menina. Mas... ele era apenas um garoto, o tempo corria muito rápido e seus ímpetos de defensor da pátria ainda não haviam se acalmado o suficiente.

Resolveu então dedicar-se a algo mais... másculo. Assim, preparou uma arma notável, invencível, de longo alcance e precisão, o recém-inventado estilingue com cano e bexiga, que usava como munição, caríssimos feijões brancos. Montada a arma, Miguelzinho batizou-a com o nome de Canolingue.

A seguir, escolheu como campo de manobras, a acolhedora e sossegada praça Conde Francisco Matarazzo Júnior, perto de seu local de trabalho. Nesse local, protegido pelos arbustos, o bravo guerreiro atacava os inimigos da pátria. Para essa finalidade, deliciava-se à nobre e patriótica tarefa de alvejar, com perfeita precisão, os glúteos das meninas que passavam.

Foi quando Mila, uma simpática menina, passou em frente à praça, em direção do trabalho. Ela trabalhava na Bombonieri do Japonês (daí seu apelido carinhoso  de Japete), nas imediações da praça, onde também, por coincidência, trabalhava Miguelzinho, que era primo do gerente.

Naquele dia, em seu caminho para o trabalho, Mila subitamente, sentiu uma agulhada no glúteo direito, que a fez gemer em voz alta. Doeu tanto que ela se lembrou das injeções de Benzetacil, que tomava quando uma unha encravada insistia em reclamar sua atenção.

Mila ficou um instante parada, até diminuir a dor. Foi quando viu a figura do Miguelzinho saindo , furtivamente, de trás dos arbustos da pracinha, todo sorridente...e logo tirou suas conclusões. Chegando ao trabalho resolveu investigar, e logo descobriu o estilingue que o menino guardava no armário dos empregados.

Habilidosa, abriu o armário e, com a sutileza da espécie feminina, entortou o cano do estilingue, criando uma curva discreta, disfarçada, de maneira que o menino nada percebeu. Mas não conversou com ninguém sobre seu plano, nem sobre a estilingada que recebeu.

No dia seguinte, ao invés de seguir pela calçada, Mila escondeu-se em uma árvore da pracinha e ficou à espera. Logo surgiu o terrível Miguelzinho, com seu canolingue e munição, e escondeu-se, aguardando a passagem de suas vítimas.

A seguir, surgiu uma menina que trabalhava na mesma rua, e Miguelzinho posicionou-se. Quando julgou que ela estava "na mira", puxou e soltou rapidamente o gatilho (a bexiga), e o projétil foi disparado.

Mas, a artimanha de Mila surtiu efeito. Com o cano do canolingue "aparelhado", o projétil desviou-se do alvo original (os glúteos da menina) e acertou em cheio uma colmeia de terríveis abelhas africanas, que se encontrava alojada na árvore próxima. A abelha rainha a tudo assistiu, revoltada. Assim, deu o alarme de ataque, e logo um poderoso esquadrão de abelhas guerreiras alçou voo para defender sua fortaleza, e capturar o agressor.

Percebendo o perigo, Miguelzinho fugiu, em desabalada carreira pela avenida Francisco Matarazzo, ziguezagueando entre os carros e transeuntes, tentando fugir das centenas de abelhas que o perseguiam implacavelmente..., recebendo, durante a fuga, muitas e dolorosíssimas picadas, nas costas, nos glúteos, braços e orelhas. Uma delas, bem na ponta de seu nariz, que logo entumeceu muito, ficando do tamanho de um tomate...e o menino corria, corria e corria sem parar. 

As horas se passavam, e no trabalho, a ausência de Miguelzinho causou estranheza. O gerente, preocupado, dizia para os seus botões:

─Esse garoto pensa que por que é meu primo que pode fazer o horário que quiser?

Mila disfarçou muito bem sua arte, dizendo que não via Miguelzinho desde o dia anterior...

Mas o pobre Miguelzinho corria, corria, sempre azucrinado pelo enxame de abelhas. Por fim, esfalfado pela longa corrida, tentou esconder-se no Burger King, vizinho do Palmeiras.

─Socorro! Ajudem-me!

De nada adiantou; as abelhas continuaram seu ataque e o gerente o fez retirar-se, para não incomodar os clientes. O garoto reiniciou sua corrida seguindo em direção da Lapa e continuações. As abelhas resolveram persegui-lo até o fim do mundo...

Assim, dizem os historiadores, que até hoje ele continua correndo...

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