Principado de Conejera


Estudos sobre os atributos de soberania do

Principado de Conejera

 Mário de Méroe 

Objeto: Análise, comentários e conclusões sobre o conteúdo de documentação histórica, que instituiu o Principado de Conejera, com os atributos de soberania dinástica.

Antecedentes

Em nossa faina de estudioso dos temas dinásticos, coletando material para trabalho, deparamo-nos com um precioso achado, que estimulou nossas pesquisas. Localizamos referências[1] a uma documentação autêntica, formalizada em dois diplomas dinásticos, redigidos no idioma italiano, datados, respectivamente, de 20/06/1957 e 20/06/1960, firmados por monarca em exílio, detentor de atributos de soberania e posição dinástica, na qualidade de Chefe Oficial e Jurídico de Dinastia ex-reinante, amplamente reconhecida. Os documentos teriam sido lavrados pela autoridade civil da República Italiana, no presente caso, o notário público de Palermo, e levados a registro junto ao órgão competente, com todas as formalidades legais daquele país.

As cartas dinásticas mencionadas indicam a formalização de uma concessão nobiliárquica incomum, com estatuto de principado, anexando-lhe todos os atributos de soberania. O predicado ideal que o identificaria foi inspirado na base territorial da Ilha de Conejera, nos antigos domínios do Reino Balear, cuja dinastia reinante de jure (em exílio dinástico) era titulada, à época, pelo príncipe Don Francesco Mário II Paterno Castello Guttadauro Ayerbe d'Aragona Laskaris e Ventimiglia, de saudosa memória.

Ora, a historicidade do arquipélago das Baleares, desde sua anexação ao império cartaginês no século V a.C., as seguidas ocupações de seu território, a elevação daqueles domínios à categoria de reino, por Jaime I de Aragão, no século XIII d.C., e, finalmente, sua integração ao reino de Espanha, é sobremaneira apreciada por historiadores, heraldistas e nobiliaristas, que esquadrinham sua extensa e rica contribuição à história das civilizações à busca de elementos para ilustração de teses, livros e pesquisas, nas sagas das diversas dinastias que o dominaram, no rastro de suas conquistas.

Nosso propósito de pesquisa documental foi coroado de êxito, pois obtida a identificação e localização do legítimo possuidor dessa documentação, primeiro beneficiário da mercê, e guardião das tradições da dinastia assim criada, Sua Excelência o Professor Doutor Waldemar Baroni Santos, renomado jurista, historiador e escritor, residente em São Paulo - SP - Brasil, honrou-nos, esse ilustre Príncipe, com a permissão para examinar tal legado, cedendo-nos, gentilmente, cópia para estudos.

A partir dessa cópia, com autorização de seu proprietário, tivemos o prazer de examinar e manifestar-nos sobre seu conteúdo, sob a ótica do direito dinástico, à vista da jurisprudência e das multisseculares tradições das casas reais ex-reinantes.

Análise documental.

Trata-se de ato formal de disposição de vontade régia, consubstanciado no documento datado de 20/06/1957, na espécie, decreto soberano, firmado pelo Chefe da Casa Real das Baleares, dinastia de direito histórico, em exílio, príncipe Don Francesco Mario II Castello Guttadauro Ayerbe d'Aragona Laskaris e Ventimiglia, o qual, no uso de suas prerrogativas dinásticas e perante a autoridade notarial de Palermo, Itália, instituiu uma entidade de direito dinástico, sob predicado ideal de uma das ilhas do arquipélago das Baleares (historicamente denominado Reino das Baleares), identificando-a com a denominação de Principado de Conejera, com todos os atributos de soberania tradicionalmente inerentes a esse domínio.

Pelo mesmo Ato, foi instituído o cidadão brasileiro Professor Doutor Waldemar Baroni Santos, residente em São Paulo - SP - Brasil, como Príncipe de Conejera, com todas as prerrogativas dinásticas de soberania e hereditariedade sucessória, com o tratamento protocolar de Alteza Sereníssima.

As demais cláusulas tratam de avenças protocolares, acessórias.

Destacamos que certas disposições do primeiro texto examinado causaram-nos alguma perplexidade, dado que a concessão consignava deveres de vassalagem e gravame tributário (simbólico), a par de limitações quanto ao exercício de agraciamento honorífico; todavia declarava, expressamente, a condição de soberania do principado. Essa evidente, talvez inadvertida antinomia, será objeto de comentários específicos.

No segundo diploma, em ato posterior datado de 20/06/1960, o mesmo dinasta de jure das Baleares retificou algumas disposições do Real Decreto, tornando seu contexto mais consentâneo com a tradição nobiliária usualmente aceita. Nesse novo ato, foi elidida a obrigação de vassalagem e suprimida a obrigação tributária simbólica constantes do documento originário, e ressaltou-se a condição da Casa de Conejera como confederada (portanto, soberana) à Casa das Baleares.

Os documentos, em sua essência, obedeceram aos critérios legais de validade do negócio jurídico[2], sendo reconhecida a capacidade dos agentes, o objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e a forma prescrita ou não defesa em lei, sob a ótica da legislação brasileira. A lavratura dos atos ocorreu em presença da autoridade notarial pública, do domicilio do príncipe concedente, no caso, o notário público de Palermo, Itália.

Presentes, também, as condições de validade histórica e moral dos documentos quanto à forma adotada e conteúdo cartular, passamos a examinar, comentar e opinar sobre o contexto documental e sobre dúvidas que poderiam surgir, na interpretação correta daqueles diplomas, dado que a concessão originária fora gravada com deveres de vassalagem e limitações quanto às outorgas honoríficas, restrições estas que, de resto, foram extintas a posteriori.

Examinamos, especialmente, o que se refere à plenitude da soberania dinástica para o exercício do jus honorum, tendo em vista que os artigos 1º, 6º, e 7º do documento originário previam, respectivamente, que a novel Casa Principesca de Conejera prestaria deveres de vassalagem à Casa concedente; que o Príncipe de Conejera deveria obter o Placet da Casa Balear para a concessão de títulos de hierarquia superior à de conde, e também, notificar aquela Real Casa sobre eventuais concessões, no prazo de seis meses, sob pena de decadência.

Ademais, o artigo 10º da cártula dinástica estipulava que os atos de soberania do Príncipe de Conejera deveriam guardar obbedienza e fedeltá à Coroa Balear, sob pena de nulidade, e o artigo 11º consignava obrigação simbólica de vassalagem. Tais disposições, examinadas isoladamente, poderiam causar alguma perplexidade, dado a natureza incomum do documento.

De outra parte, a Casa Real das Baleares assumia o compromisso de conceder, aos agraciados pelo Príncipe de Conejera, as honras e tratamentos protocolares correspondentes à hierarquia da titulatura concedida pelo Principado de Conejera, com o conseqüente reconhecimento de sua validade, desde que notificada da concessão, no prazo que estipulou.

Cumpre-nos, de início, tentar clarificar alguns conceitos, para melhor delimitar eventuais questionamentos sobre o alcance das disposições documentárias examinadas.

Da soberania

Soberania, no verbete do Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, provém do latim super+omnium (acima de tudo), e se constitui em Peculiaridade fundamental do poder do Estado, não subordinado a qualquer limitação, a não ser a ditada pela ordem jurídica.

Segundo lição do Prof. Marcos Coimbra[3],

A Soberania caracteriza-se pela " manutenção da intangibilidade da Nação, assegurada a capacidade de autodeterminação e da convivência com as demais Nações em termos de igualdade de direitos, não aceitando qualquer forma de intervenção em seus assuntos internos, nem participação em atos dessa natureza em relação a outras Nações, significando também a supremacia da ordem jurídica em todo o território nacional".

De outra fonte, colhemos:

"A soberania é una e indivisível, não se delega a soberania, a soberania é irrevogável, a soberania é perpetua, a soberania é um poder supremo, eis os principais pontos de caracterização com que Bodin fez da soberania no século XVII um elemento essencial do Estado" (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1996, p. 126) in Carlezzo, Eduardo, Soberania x Direito Internacional, Revista DATAVENI@ - Opinião - Ano V - Nº 51 - Outubro de 2001, disponível em:

https://www.datavenia.net/opiniao/2001/Soberania-x-Direito-Internacional.htm

Temos, assim, uma visão suficientemente clara do conceito de soberania, como elemento indispensável à estruturação do Estado, tal como entendido nas relações entre os países civilizados. Trata-se, evidentemente, de soberania política, segundo a qual os países não devem imiscuir-se nas relações internas ou externas de seus pares, com ênfase nos atos de governo de fato e de direito, na modalidade de suas constituições.

Dessas preciosas lições, decorre que a soberania, posto que una e indivisível, não comporta gradação. Um país, (o mesmo aplica-se às Casas ex-reinantes não abdicatárias), com base territorial ou ideal, ou é soberano ou não o é. Se soberano, praticará todos os atos de autogoverno com independência e sob critério próprio. Eventuais limitações impostas por entes centralizadores do poder, o transformaria em ente federado, com autonomia, mas sem soberania, em seu sentido estrito.

Convém ressaltar que a intocabilidade da soberania, em sua inteireza, também pode admitir exceções, se assim o exigir ou aconselhar os altos interesses nacionais. Como exemplo, podemos citar o Império Britânico, que concedeu independência às suas possessões territoriais em diversas partes do mundo, e também reconheceu a independência dos Estados Unidos, ou o rei Balduíno I da Bélgica (07/09/1930 - 31/07/1993) , que concedeu independência ao antigo Congo-Belga, em 30/06/1960, atualmente República Democrática do Congo. O Brasil foi beneficiário político de semelhante concessão, quando teve sua independência reconhecida pelo monarca reinante sobre o conjunto denominado Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, por tratado de 29/08/1825. Em nenhum dos casos a soberania dos países concedentes foi violada ou fragmentada.

De toda forma, trata-se de conceitos atuais[4] de soberania, tida como atributo de Estado, entendido este como pessoa jurídica de direito público externo, detentora da supremacia na ordem interna e de independência na ordem internacional[5], com a tradicional composição de povo, território e governo.

Da soberania dinástica

Prosseguindo, observamos que em gradação estrita, coexistente ao conceito moderno de soberania, subsiste, no horizonte das casas monárquicas, o princípio da soberania dinástica, burilado por séculos de aprimoramento [6], segundo a qual o chefe de uma dinastia reinante possui os direitos ditos majestáticos, que se constituem, basicamente, em quatro (quatro) prerrogativas: ius imperii, Ius gladii, ius majestatis e ius honorum (fonte de honras)[7] .

Em caso de deposição sem renúncia, o chefe dinástico conserva e transmite aos seus herdeiros e sucessores dois direitos dinásticos: o ius majestatis (o monarca deposto não perde a condição protocolar de rei) e o ius honorum (permanece como fonte de honras). Nesse caso, e exclusivamente quanto ao exercício do ius honorum, ressurge o conceito de soberania dinástica plena (vide nota de rodapé nº 4), vez que, desvinculado das peias constitucionais, o monarca em exílio retorma o poder nobilitante supremo, irrestrito, que exercerá ao seu exclusivo e elevado critério.

É, precisamente, sob a égide do conceito amplo de soberania dinástica, como atributo das casas ex-reinantes, que passamos a desenvolver este trabalho.

Examinando os textos em seu conjunto, e considerando a finalidade dos atos dinásticos, depreende-se, com meridiana clareza, que a Casa outorgante não pretendeu efetuar a outorga singela de uma distinção, com a qual pretendesse galardoar os reconhecidos méritos do agraciado, mas sim, mediante a criação de uma nova Família Principesca, instituir uma avença duradoura, uma aliança entre casas soberanas, com os efeitos e objetivos de uma Commonwealth[8] sui generis, destinada a subsistir ad infiinitum ou enquanto houvesse descendentes ou sucessores nas respectivas chefias dinásticas ou, ainda, enquanto perdurassem os interesses comuns, fossem de cunho histórico, cultural, familiar ou de fraternidade.

Nessa esteira, convém observar que a fonte da soberania dinástica do Principado de Conejera não tem sua origem na concessão do título principesco em si, como mercê honorifica, mas surge como decorrência natural da instituição de um ente dinástico soberano, em forma de principado ideal, plenamente autocéfalo, dotado, ipso facto, dos poderes inerentes a essa condição, entre eles, o jus nobilitandi, emanado da prerrogativa de fons honorum insuscetível de qualquer limitação, reconhecida essa qualificação pela doutrina e jurisprudência nobiliárias, como apanágio dos príncipes soberanos.

A nosso sentir, a pretensa limitação aos poderes dinásticos outorgados ao Príncipe de Conejera não se sustenta. Não houve, no caso, uma delegação para exercício de atos soberania, sujeitos a prestação de contas. Ocorreu, de fato e de direito, a criação de um ente dinástico, distinto da personalidade histórica da coroa concedente, com existência jurídica própria; gerando um complexo institucional dotado dos poderes de soberania dinástica, esta, por sua própria gênese, imprescritível, irreversível, inalienável, plena, transmissível hereditariamente ad æternum.

É curial a verdade que emana do conhecido brocardo: Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus (Quem pode o mais, pode o menos). Em verdade, o Príncipe de Conejera, por força de sua instituição como monarca soberano, poderá, em o desejando, criar titulares de mercês nobiliárias anexando, aos respectivos títulos, os poderes de soberania plena, no âmbito de suas jurisdições. Não é razoável admitir-se, pois, que o detentor de poderes tão amplos e extraordinários, cuja plenitude de livre exercício é reconhecida pela doutrina e por remansosa jurisprudência internacional deva submissão administrativa a uma outra Casa, mesmo que seja a própria concedente.

Com relação à notória antinomia observada nos textos examinados, louvamo-nos na lição de Bobbio[9]:

A situação de normas incompatíveis entre si é uma dificuldade tradicional frente à qual se encontram os juristas de todos os tempos, e teve uma denominação própria: antinomia.

(...)

Como antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema normativo, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de
uma das duas normas (...)" Op. cit., p. 91.

Na obra referida acima, o mestre italiano apresenta três critérios para a solução das antinomias: cronológico, hierárquico e da especialidade. O critério da hierarquia, segundo o qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior (lex superior derogat inferiori), parece-nos apontar para a solução adequada ao caso examinado.

Assim, considerando como princípio de maior alcance o atributo da SOBERANIA, expressamente outorgado ao ente dinástico criado, restam derrogados os gravames antinômicos de vassalagem e cominações de decadência e nulidade que pairavam - indevidamente - sobre os atos de concessão nobiliária praticados pelo titular da Casa Principesca de Conejera.

Conceituamos como Inócua, por absoluta inexeqüibilidade, a previsão de decadência, que supostamente alcançaria os atos praticados em desacordo com as precrições originárias, uma vez que não restou caracterizada a natureza do direito do qual se decairia nem a do agente passivo da sanção, ausentes, assim, os pressupostos de viabilidade da prescrição cartular.

A nosso ver, essa cláusula somente estipulou um prazo para informar as nobilitações, mediante ofício ao Ministro daquela Coroa, para fins de registro na chancelaria da Casa Balear, possibilitando assim, ao agraciado, usufruir das honras protocolares naquela jurisdição. Essa faculdade acessória foi franqueada à Casa de Conejera, que poderá exercê-la ou não, a seu inteiro critério. Não exercida essa opção, o nobilitado, pessoa estranha à relação diplomática, permancerá arredado da convenção e não assumirá nenhum compromisso moral nem protocolar com a Casa das Baleares, uma vez que seu título não integra o patrimônio honorífico daquela dinastia.

A abstenção da autoridade dinástica de Conejera em comunicar o agraciamento, é irrelevante para a essência ou validade da honraria, em razão da qualidade soberana intrínseca ao príncipe concedente. Ressalte-se, ainda, que o efeito da soberania das Casas é recíproco, podendo, eventualmente, a Casa das Baleares recusar o registro ou acolhida em seu protocolo a algum personagem que, também ao seu critério, considerar persona non grata.

Igualmente, afigura-se baldia e incapaz de gerar os efeitos pretendidos, a sanção de nullitá prevista no artigo 10º da cártula dinástica, onde se estipula que os atos de soberania do Príncipe de Conejera deveriam guardar obbedienza e fedeltá à Coroa Balear, sob essa cominação. É pacífico, nas ciências nobiliárias, que nenhum ato soberano, que por sua natureza é irrestrito, perpétuo, inalienável e imprescritível, poderia ser atingido por alguma providência emanada de outra Casa, de igual natureza (casa dinástica em exílio) e status nobiliário e jurídico. A boa doutrina, bem assim, a jurisprudência dominante, não autorizam o reconhecimento da supremacia ou autoridade de uma Casa dinástica sobre os atos praticados por outra, salvo em caso de vassalagem. Modernamente, não há diferença de status entre um principado, um reino ou um grão-ducado ou condado, desde que esses entes sejam dotados de soberania.

Portanto, desarrazoadas e desgarradas da tradição nobiliária as exigências restritivas contidas no Real Decreto originário, posto que invalidadas pela premissa maior, que é a concessão da soberania dinástica.

Ressalta-se que o Principado de Conejera foi instituído como fons honorum (fonte de honras), no contexto da criação de uma entidade soberana, nominalmente identificada sob predicado territorial e atribuída ao domínio virtual (ideal) de um chefe dinástico, desvinculando-se do patrimônio dinástico da coroa concedente, para formar novo legado, com destinação específica.

Assim, a exigência de notificação das concessões até o título de conde, e de prévio placet para a outorga de títulos superiores, a par da notória incongruência contextual, em termos de direito dinástico, afigura-se uma inadvertida - e, por todos os títulos, indevida - ingerência nos assuntos referentes à administração do patrimônio heráldico da dinastia, que é atributo inalienável e exclusivo do chefe dinástico assim instituído.

Nesse entendimento, os poderes inerentes à soberania dinástica, especialmente quando exercida em caráter ideal[10], compreende a livre concessão de toda a linha hierárquica das honrarias nobiliárias, sem exclusão de eventual anexação de jus honorum, habilitando ao agraciado poderes para conferir livremente honras heráldicas, sem que deva submeter seus atos ao crivo de nenhuma autoridade. A vontade soberana do concedente (destaque-se, em exílio dinástico) suplantaria todos os óbices porventura opostos, o que não poderia ocorrer no caso de um monarca reinante, que tem seus poderes nobilitantes limitados pela Constituição de seu Estado.

Permitimo-nos um exemplo, para melhor clarificar o contexto:

Na Espanha moderna, sob a coroa do Rei Juan Carlos I, que desfuta da mais alta consideração entre os Chefes de Estado da atualidade, o Rei pode conceder honrarias de caráter nobiliárquico. Confira-se o texto magno espanhol:

Constitución Española, de 27/12/1978.

Artigo 62 - Corresponde al Rey:

(...)

f) (...) y conceder honores y distinciones con arreglo a las leys.

Observa-se que o complemento "con arreglo a las leyes", longe de se configurar uma deminutio das prerrogativas reais, tem a finalidade de ressaltar os princípios de publicidade e transparência que devem pautar os atos oficiais do monarca.

Na lição de Armiñán[11]:

"El Tribunal Constitucional alude ciertamente al acto de gracia o merced en cuanto la decisión última, pero en todo caso con arreglo a las leyes, en que consiste la concesión de un título nobiliario, pero al hacerlol así implica necesariamente la presencia de todos los requisitos establecidos en nuestro ordenamiento para la producción de los actos jurídico-públicos del Rey".

Torna-se evidente, pois, que o monarca espanhol, reinante, deverá submeter as concessões honoríficas aos interesses do Estado, nos limites da legislação vigente sobre a espécie. Assim sendo, o rei Juan Carlos I, como Chefe de Estado de Espanha não pode, por decisão monocrática e apoiado apenas na condição de fonte de honras (fons honorum) destacar uma região de seu país, elevando-a à condição de principado ou reino independente, e outorgar-lhe soberania e seus consequentes atributos. Tal ato somente seria válido se precedido do indispensável estudo de viabilidade política, com deliberação dos Poderes de Estado competentes e outras exigências institucionais, à luz da Constituição do Reino. Como regra geralmente observada pelos soberanos reinantes, a prerrogativa do jus nobilitandi deverá ser exercida em harmonia com as outras funções de Estado, presentes todos os demais requisitos para a persecução do bem comum a todos os governados.

Entretanto, ad argumentandum, se ocorresse uma guinada institucional naquele reino e el Rey, hoje reinante de fato e de direito, tendo suas prerrogativas e deveres claramente insculpidos na Constituição do Reino, sofresse um destronamento[12], inocorrendo a debellatio, ou aquiescência formal ao novo regime, e conservando, dessa forma, os direitos tradicionais de soberania dinástica, poderia, a partir de sua jurisdição honorária (sem base territorial ou estatal para exercer seus poderes como reinante), instituir, validamente, concessões honoríficas, pessoais ou hereditárias, apoiadas ou não em predicados territoriais, em todos os níveis nobiliárquicos, e atribuir-lhes, se assim o desejasse, o jus honorum, isto é, o poder de nobilitar. Essas hipotéticas concessões não poderiam ser acoimadas de ilegais nem abusivas, posto que não desbordariam as lindes do exercício dos poderes de soberania remanescentes (jus majestatis e jus honorum), exercidos na qualidade de chefe de Casa Real ex-reinante.

Como é sabido, os chefes dinásticos ex-reinantes não necessitam de reconhecimento nem de confirmação de seus atos de disposição honorífica por nenhum governo, nem mesmo o de seu país de origem, que não poderá opor nenhum obstáculo ou condições para o exercício da soberania dinástica.

Das peculiaridades das outorgas dinásticas.

Cumpre salientar as diferenças fáticas e jurídicas entre os efeitos de uma outorga nobiliária e os de uma outorga dinástica:

A outorga nobiliária, de natureza honorífica, concretizada através de concessões de títulos ou graus de nobreza, pela autoridade competente (dotada de jus honorum), nobilita somente o agraciado, em sua vida (ad personam) ou também aos seus herdeiros ou sucessores (título hereditário), na forma estipulada pela carta nobilitante. Neste caso, é elevado aos foros de nobreza um indivíduo (pessoa física) e, se o título for hereditário, haverá transmissão aos seus descendentes ou sucessores cada um em seu devido tempo. Ocorre, pois, a criação de um nobre titulado, cuja elevação social, por conseqüência, alcançará seus descendentes com fidalguia difusa, mas apenas um sucederá no título.

A outorga dinástica, de natureza institucional, dá origem a uma entidade, a uma personalidade jurídica de direito dinástico, com representação e chefia atribuídas a uma pessoa física, agraciada com o título correspondente ao seu domínio virtual e, em regra, com prerrogativas de jus honorum. O ente dinástico assim gerado, através de seu representante, denominado Chefe de Nome e de Armas, poderá outorgar títulos e mercês a quem considerar merecedor da honraria, a seu critério, não estando sujeito a nenhuma limitação temporal (poderá agraciar diversas pessoas da mesma geração), nem em relação à quantidade de nobilitações. Ocorre, assim, a criação de uma dinastia, que iniciará um ciclo de tradições próprias, uma instituição distinta da Casa concedente, que não terá poder nem controle sobre seus atos.

O ente dinástico assim instituído é dotado de perpetuidade, irrevogabilidade, e irreversibilidade, nos termos da doutrina aceita, dos exemplos históricos e da jurisprudência nobiliária. Uma vez criado, o ente dinástico separa-se do patrimônio dinástico de seu instituidor e adquire existência independente, com atributos históricos de soberania, reconhecidos às Casas dinásticas em exílio.

O atributo de irrevogabilidade da outorga dinástica[13], a par da boa doutrina, remete às suas origens históricas. Em trabalho de nossa lavra[14], citamos o primeiro evento conhecido, de translação de direitos dinásticos, narrado na Bíblia (Gênesis, cap. 25 e 27), evocando a saga de Jacó e Esaú.

Diz o texto bíblico citado na obra, que Jacó, induzido por sua mãe, Rebeca, através de um ardil, transacionou o direito de primogenitura com seu irmão Esaú, que era o "herdeiro" da chefia da tribo. Com astúcia, obteve a bênção[15], do patriarca Isaac e torna-se, ipso facto, chefe de Israel, pai dos doze filhos, que dariam origem às tribos que formaram o povo hebreu. Verbis:

A cerimônia da benção aqui descrita, embora eivada de vício (fraude), uma vez consumada teve efeitos irrevogáveis, coonestando a translação anteriormente realizada, provavelmente mantida em segredo pelas partes. Foi, assim, solenemente empossado, de fato e de direito, o novo chefe da incipiente nação israelita. O texto bíblico destaca a perplexidade e a impotência de Isaac diante do fato consumado e irremovível.

O que pretendemos ressaltar, é o caráter irrevogável da entronização, em suas diversas formas, indelevelmente inserida na pessoa do recipiendário, que a transmitirá incólume aos seus herdeiros e sucessores. Observa-se, da leitura do trecho acima, que o patriarca Isaac quedou-se perplexo diante da urdidura de seu filho, mas, sobretudo, impotente para anular o ato (a bênção) de transmissão dos direitos dinásticos (à época, absolutos), na forma do cerimonial vigente. Pela sucessão no poder, havia perdido jurisdição sobre a tribo.

Mutatis mutandis, fenômeno semelhante ocorreu com a instituição do Principado de Conejera: a Casa concedente despojou-se de parte de seu patrimônio honorífico, erigindo um novo ente de caráter dinástico, com atributos de soberania, desvinculado da coroa originária.

Portanto, no caso objeto deste estudo, nenhuma disposição posterior aos atos institucionais de 20/06/1957 e 20/06/1960, se adotada pela Casa Real das Baleares, e, bem assim, por qualquer outra autoridade dinástica ou política, terá aptidão jurídica, lógica ou histórica para alcançar, modificar, condicionar, anular, ou submeter a controle os atos de gestão administrativa, política ou de agraciamento praticados pelo Príncipe de Conejera, no exercício dos poderes majestáticos reconhecidos como atributo dos monarcas em exílio. Com a outorga da soberania pela casa concedente, ocorreu, ipso facto, a perda da jurisdição sobre a fração ideal separada de seu patrimônio heráldico, como decorrência natural da criação do novo ente dinástico.

Em exemplo já citado, no reconhecimento da independência do Brasil, operou-se fenômeno semelhante, de perda de jurisdição de Dom João VI, sobre o novo ente político, que seguiu rumo próprio, mercê da soberania da qual fora dotado.

Conclusão

Pelo acima exposto, com arrimo nas lições colhidas de renomados mestres, alinhados à pacífica orientação jurisprudencial da atualidade, instruída e firmada nossa convicção à luz de nosso melhor entendimento, temos como certo, justo e válido reconhecer e assegurar, S.M.J., que:

a) O Principado de Conejera é uma instituição dinástica ideal, dotada de soberania plena e irrestrita, com todos os poderes tradicionalmente reconhecidos como inerentes a esse domínio. Seu patrimônio heráldico possui caráter inalienável, imprescritível e inviolável, com sucessão hereditária em perpétuo, até o final dos tempos.

b) O complexo dinástico-institucional denominado Principado de Conejera, foi legal e formalmente instituído por atos de autoridade monárquica soberana, no superior exercício de sua jurisdição suprema como chefe de governo de direito histórico, em exílio, e nessa qualidade plenamente reconhecido, mediante formalização de declarações de vontade régia, lavradas perante autoridade pública e inscritos, em devida forma legal, nos órgãos registrais competentes.

c) d) A casa principesca de Conejera tem personalidade dinástica autônoma e distinta da ostentada pela Casa instituidora, e seus atos, praticados nessa qualidade, no âmbito de sua jurisdição, não estão sujeitos à ratificação nem podem ser condicionados ou anulados por nenhuma autoridade, quer governamental quer dinástica, não dependendo de nenhuma autorização para exercer suas prerrogativas, salvo se exigido pela legislação do país onde tenha representação ou sede palatina.

d) São inócuos e insuscetíveis de gerar quaisquer efeitos, os gravames de nulidade e decadência previstos originariamente nos documentos constitutivos do Principado de Conejera, posto que contaminados de manifesta antinomia[16]; a fortiori, em face da outorga posterior dos atributos de soberania dinástica plena e irrestrita, pela coroa concedente, por força do diploma de 20/06/1960, já examinado, que liberou o patrimônio honorífico criado em 20/06/1957 das condições primitivas de vassalagem e dependência, alçando-o à condição de soberano com os direitos históricos tradicionalmente reconhecidos como privilégio dos monarcas em exílio;

e) Com a outorga da soberania plena, a casa concedente exauriu sua ascendência sobre o ente dinástico criado, operando-se, de pleno direito, a perda da jurisdição, com os efeitos de preclusão lógica[17];

e) O Príncipe soberano de Conejera, Sua Alteza Sereníssima o Professor Doutor Waldemar Baroni Santos - honra e luz do presente e fanal para as gerações vindouras - desfruta dos direitos de posse, gozo e exercício dos supremos poderes inerentes à soberania dinástica em exílio, como sejam: ius majestatis e ius honorum (fonte de honras), podendo validamente outorgar honrarias em toda a linha nobiliárquica, nas modalidades palatina, hagiológica, sul cognome, ou sob predicado ideal, no território de sua possessão dinástica, sem limitações de nenhuma espécie, a par do direito ao tratamento protocolar de Alteza Sereníssima, nos termos da instituição da dinastia.

f) O Príncipe de Conejera, no supremo exercício de suas prerrogativas soberanas, poderá instituir Ordens dinásticas e cavaleirescas, conceder os graus respectivos, criar e outorgar distinções de qualquer natureza, a quem, a seu exclusivo critério, for digno de tal homenagem, podendo manter relações diplomáticas com outras Casas, reinantes ou de direito histórico, para cooperação e assistência mútua, ou intercâmbio cultural.

Este, o estudo que, modestamente, apresentamos à alta consideração de Sua Alteza Sereníssima o Príncipe de Conejera, com nossos respeitos.

São Paulo-SP, 11 de fevereiro de 2008.

Mário de Méroe


Fonte documental consultada:

Por cópias, dois decretos soberanos datados, respectivamente, de 20/06/1957 e 20/06/1960, firmado pelo Chefe da Casa Real das Baleares, dinastia de direito histórico, em exílio, príncipe Don Francesco Mario II Castello Guttadauro Ayerbe d'Aragona Laskaris e Ventimiglia, lavrados e inscritos junto ao órgão notarial da cidade de Palermo, Itália.

Referência bibliográfica:

>Código Civil Brasileiro - Lei nº 10.406, de 10/01/2002.

>Santos, Waldemar Baroni, Tratado de Heráldica, vol. I, 4ª ed., 1970, SP.

>Armiñán, abogado Alfredo Pérez, La Potestad Regia de concesión de dignidades nobiliárias, in Compendio de Derecho Nobiliário (diversos autores),Civitas Ediciones, SD.L., Madrid, 2002, 1ª ed., p.159.

>Méroe, Mário de, Tradições Nobiliárias Internacionais e sua integração ao Direito Civil Brasileiro, ed. Centauro, São Paulo-SP, 2005, p. 98.

>Constitución Española, de 27/12/1978, artigo 62 e incisos.

>Bobbio, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, Editora UnB, 10ª ed., 1999.

>Demais autores, mencionados no texto.

[1] Fonte: Santos, W. Baroni, Tratado de Heráldica, 1º vol,,IVª edição, 1970, p. 203/204.

[2] Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil Brasileiro, artigo 104 (Dos Fatos Jurídicos, Título I - Do Negócio Jurídico.

[3] Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG. Texto disponível em:

https://www.brasilsoberano.com.br/artigos/Anteriores/objetivosnacionais.htm

[4] Entendemos que o conceito de soberania dinástica (no sentido de autoridade absoluta do senhor feudal) antecedeu ao conceito de soberania, como elemento do Estado.

[5] Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Forense Universitária, 2ª ed.

[6] Encontramos referências sobre "lendas chinesas sobre o início da soberania dinástica por volta de finais do 3º milênio a.C." em Cotterell, Artur, China: Uma História Cultural (texto), disponível em https://www.gradiva.pt/capitulo.asp?L=14005

[7] Méroe, Mário de, Tradições Nobiliárias Internacionais e sua integração ao Direito Civil Brasileiro, Centauro, São Paulo, 2005, p. 98

[8] Neste sentido, designando uma comunidade política de nações soberanas, com o objetivo de estimular a colaboração entre os membros da organização.

[9] Bobbio, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, Editora UNB, 10ª ed., p. 81.

[10] Em linguagem moderna: virtual

[11] Armiñán, abogado Alfredo Pérez, La Potestad Regia de concesión de dignidades nobiliárias, in Compendio de Derecho Nobiliário (diversos autores),Civitas Ediciones, SD.L., Madrid, 2002, 1ª ed., p.159.

[12] Hipótese formulada apenas a título de ilustração sobre o tema.

[13] Um soberano deposto sem renúncia não perde as prerrogativas majestáticas protocolares, nem de exercício da fons honorum.

[14] Méroe, Mário de, op.cit., p. 87/90.

[15] A benção simbolizava a consagração, pela unção cerimonial. Modernamente, teria os efeitos de uma coroação, ou posse solene.

[16] Antinomia é conceituada como: contradição entre quaisquer princípios, doutrinas ou prescrições.(Houaiss); e, ainda: Contradicción entre dos leyes o dos principios racionales, porque ambos se infieren de proposiciones verosímiles (...) in Diccionarios On-line, disponível em: https://www.diccionarios-online.com.ar/largo/antinomia.html

[17] Fenômeno que extingue a possibilidade de praticar-se um ato, com efeitos jurídicos, pela prática de outro ato com ele incompatível.

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